Algumas decisões editoriais precisam de muita coragem para serem tomadas. Passados pouco mais de três meses dos atentados de Boston, que mataram três pessoas e deixaram mais de 200 feridos, a revista Rolling Stone estampou em sua capa a foto de um dos terroristas acusados pelo crime. A resposta imediata do público foi, na esmagadora parte dos casos, de revolta. E não só por parte dos leitores. A foto acima é da primeira página do jornal Boston Herald, que diz “a decisão foi burra como uma pedra”.

PRIMEIRA PÁGINA DO JORNAL BOSTON HERALD DESTA QUINTA-FEIRA CRITICA A REVISTA ROLLING STONE POR TER COLOCADO O DZHOKHAR TSARNAEV NA CAPA DE SUA ÚLTIMA EDIÇÃO (FOTO: REPRODUÇÃO INTERNET/FACEBOOK/BOSTON HERALD)

A principal chamada da Rolling Stone é sobre o jovem Dzhokhar Tsarnaev, de 19 anos, acusado de ajudar seu irmão, Tamerlan Tsarnaev, a colocar duas bombas na linha de chegada da Maratona de Boston, no dia 15 de abril. A matéria mostra depoimentos de amigos e vizinhos do rapaz, que falam sobre o quanto ele havia mudado nos meses anteriores ao atentado.

A reportagem, em si, não toma o partido de Tsarnaev e não justifica seus atos. A intenção era contar a história de um jovem que, até alguns meses atrás, era considerado “doce” e “amigável” por seus conhecidos. Mas faz sentido que muita gente tenha ficado revoltada com a capa da revista. Pessoas que não faziam nada além de participar da corrida ou assistí-la tiveram membros amputados, passaram por cirurgias e atravessaram dias e dias no hospital para se recuperar dos estragos causados pelas explosões.

CAPA DA REVISTA ROLLING STONES, COM DZHOKHAR TSARNAEV, UM DOS AUTORES DO ATENTADO NA MARATONA DE BOSTON (FOTO: DIVULGAÇÃO/ROLLING STONES)

O perfil da Rolling Stone no Facebook ficou repleto de críticas nos últimos dois dias: “Jeff Bauman, que perdeu as duas pernas [nesses atentados], deveria estar na capa”, diz um dos comentários. Outro, opina que é “doentio que ninguém se importe com a morte de pessoas, pessoas reais com vidas e famílias”.

Alguns anunciantes da revista também se posicionaram. Contatada pela Business Insider, a Coca-Cola, que tem uma página inteira na publicação, afirmou que “não tinha conhecimento prévio de qual seria o conteúdo da revista quando fechou o contrato de mídia com a publicação”.

Astroglide, uma marca de lubrificante íntimo, disse que gostaria de ter sido informada que Dzhokhar Tsarnaev estaria na capa para, então, decidir se teria um anúncio na revista ou não. “Nós teríamos tirado [a propaganda] se soubéssemos”, disse um porta-voz. A empresa não tem intenção de continuar a anunciar na publicação no próximo ano.

Adam & Eve, uma loja de produtos para adultos, disse que continuaria com o anúncio mesmo sabendo quem estaria na capa da revista. “Acima de tudo, Adam & Eve acredita na liberdade de expressão. A capa certamente chamou a atenção da mídia, mas tendo visto apenas alguns trechos do artigo, não achamos justo julgar. Na nossa experiência, a Rolling Stone sempre escreveu histórias provocativas. Eu acho que é lamentável que algumas lojas estejam boicotando a revista”.

A polêmica foi tanta que a publicação abriu a reportagem para quem quiser ler e publicou junto um recado dos editores, que diz:

“Nossos corações estão com as vítimas das explosões da Maratona de Boston e os nossos pensamentos estão com eles e suas famílias. A reportagem de capa que estamos publicando esta semana está dentro das tradições do jornalismo e do compromisso de longa data da Rolling Stone com a cobertura séria e reflexiva das questões políticas e culturais mais importantes do nosso dia a dia. O fato de que Dzhokhar Tsarnaev é jovem, na mesma faixa etária de muitos de nossos leitores, torna ainda mais importante para nós examinar essa complexa questão e conseguir compreender como uma tragédia como essa acontece.”

 

Fonte: Época Negócios