catedral-de-sao-basilio-russia(Imagem: fondospedia.com)

Recordando o grandioso aniversário da Universidade de São Paulo (USP), que fez 80 anos em 25 de janeiro, é grato falar do papel que este grande centro desempenha na área da divulgação da cultura russa e no intercâmbio cultural e científico entre os dois países. Eis aqui um exemplo dos mais recentes: em outubro de 2013, foi assinado um acordo de parceria entre a universidade russa Escola Superior de Economia e a USP. Já existe parceria entre a USP, especialmente o Departamento de Línguas Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Sociais, a FFLCH, e a Universidade Estatal de Moscou Lomonosov, a MGU, e também a Universidade de Humanidades, a Universidade de Estudos Humanitários da Rússia, a RGGU, Universidade Politécnica de São Petersburgo, o Instituto de Literatura Russa Pushkin de São Petersburgo e a Universidade de Nizhny Novgorod. Além disso, há um pouco mais de dois anos, foi criado o LERUSS – Laboratório de Estudos Russos, resultado de um convênio firmado com a Fundação Russky Mir.

Segundo Elena Vassina, professora das Letras Russas da FFLCH, o “boom” começou em 2001 com a exposição “500 anos da arte russa”, que ocorreu em São Paulo, e teve como consequência o crescimento exponencial do interesse pela cultura russa:

“Eu comecei a trabalhar na Universidade de São Paulo, a USP, em 1999. Mas a primeira vez que eu dei um curso na USP, foi em 1993. Nos anos 1990, o interesse pela Rússia e pela literatura russa em particular, era, digamos, mínimo. Além de Boris Schnaiderman, fundador do nosso departamento, Paulo Bezerra, Aurora Fornoni Bernardini, quase ninguém se ocupava, não traduzia e não se interessava pela literatura russa. Por exemplo, quando eu acabava de ingressar na USP, tive no meu grupo 3 alunos. Agora, nos grupos de 1º ano, tenho 50-55 alunos. Esse “boom” dos estudos russos no geral, da Rússia e da literatura russa, começou mais ou menos a partir de 2000. Para sermos mais precisos, após 2002—2003, há dez anos. Tinha uma exposição excelente em 2001, “500 anos da arte russa”, que exerceu um papel muito importante para crescimento do interesse à Rússia. E as editoras, já que isso se tornou uma ocupação bastante rendível, meteram-se a traduzir e publicar literatura russa. De maneira que, ao entrar numa livraria em São Paulo, a primeira coisa que você vê são grandes vitrines e stands com clássicos russos.”

Assim, constatamos que a literatura russa é um elemento importante das relações internacionais. Faz parte, contudo, de um amplo elenco de instrumentos e fatores, partilhando espaço cultural com o cinema e o teatro. Os festivais do cinema russo no Brasil e do cinema brasileiro na Rússia organizados há vários anos, são já uma tradição. Porém, a literatura ocupa o primeiro lugar, destaca Elena Vassina:

“Eu comparo esse interesse pela literatura russa com uma novena onda. Quando no Brasil me perguntam de que nacionalidade eu sou, e eu respondo que sou russa, a primeira associação é esta: “Oh! Dostoievski!” Porque aqui, todo o mundo lê Dostoievski. E felizmente, agora, na Editora 34, Paulo Bezerra traduziu todos os quatro romances principais de Dostoievski, que aparecem pela primeira vez traduzidos diretamente do russo, e devo admitir que traduzidos brilhantemente. Eu acho que a literatura clássica russa é uma enorme riqueza, é algo que é muito grato divulgar no Brasil. É ótimo que o interesse pela Rússia cresça e se nutra da literatura clássica russa”.

Hoje, a literatura russa no Brasil é cada vez mais divulgada. Os clássicos russos são um item importante das vendas das editoras, e o leitor procura esses livros, segundo dados das próprias editoras. Para rematar, as novas edições que surgem, quase obrigatoriamente abordam um autor russo, diz Elena Vassina:

“A verdade é que praticamente todas as grandes editoras do Brasil querem publicar literatura russa porque se vende bem. Eu acabo de ver um livro de Ivan Bunin, editado pela editora Manole, cujos contos traduziu uma mestranda minha. A editora Leya publicou traduções de Klara Gurianova (o livro de Pavel Bassinski sobre Lev Tolstoi). Eu trabalhei com outra mestranda minha com as traduções de ensaios artigos de Tolstoi, publicadas num volume editado pela Companhia das Letras, também uma editora magnífica. Eu nem lembro todas as editoras com que trabalhei traduzindo e editando prefácios sobre a literatura russa. Agora acaba de surgir uma nova editora, Rafael Coppetti, que, claro, quer editar algo russo, e eu estou preparando uma coletânea de artigos sobre Tolstoi. O livro deve aparecer na primeira metade de 2014. Outro projeto legal é a editora Ateliê. Recentemente editaram “Contos da Cartilha” de Tolstoi, ilustrados por alunos da Escola juvenil das artes da cidade russa de Izhevsk. É um projeto de Aurora Bernardini. O livro foi um êxito, porém, passou muito tempo no prelo. Afinal editaram, e agora eu devo partir para Izhevsk para apresentar o livro e visitar as crianças que tinham 6-12 anos naquela altura”.

Cabe indicar que São Paulo possui o único departamento de russo em toda a América Latina que tem mestrado e doutorado. Se fala de toda uma escola de tradução. Arlete Cavaliere, professora da área do russo da USP e tradutora ela mesma, afirma:

“A literatura e a cultura russas estão muito difundidas hoje no Brasil, pois o interesse pelo universo cultural russo já está consolidado entre nós há muitas décadas. E como já existe um grupo consagrado de tradutores e especialistas brasileiros de literatura russa, a maioria deles oriunda da Universidade de São Paulo, as editoras brasileiras, interessadas em difundir a literatura russa, têm procurado regularmente esses tradutores e especialistas para efetivar projetos de tradução de textos de autores russos representativos. Penso que conjugar a pesquisa acadêmica produzida na Universidade com a divulgação dessa mesma pesquisa, por meio de editoras brasileiras representativas, constitui o melhor caminho de fazer chegar ao leitor brasileiro textos literários russos traduzidos com qualidade e rigor, o que, certamente, despertará em nossos leitores um interesse cada vez maior.”

A professora Arlete tem estado várias vezes na Rússia. Em 2010 e 2012, ela participou das duas edições do Congresso de Tradutores em Moscou, um dos maiores eventos internacionais dedicados à literatura e cultura russa no mundo. Arlete Cavaliere é quem fez o público leitor brasileiro conhecer escritores tão importantes como Nikolai Gogol e Vladimir Mayakovsky. Perguntada sobre as suas preferências literárias como tradutora, responde o seguinte:

“Na verdade, tenho preferência por todos aqueles que traduzi, pois, certamente, são sempre escolhas de cunho muito pessoal. Traduzir Gogol foi uma ousadia, um risco, mas também uma grande aventura. Posso dizer o mesmo de Mayakovsky, Tchekhov, Bunin… enfim, é difícil estabelecer uma preferência. Até mesmo traduzir os textos teóricos do encenador russo de vanguarda Vsevolod Meyerhold levou-me a um contacto extraordinário com um universo cultural russo muito surpreendente, aquele das intempestivas vanguardas russas do início do século XX”.

Os autores russos contemporâneos também são editados, diz a professora Arlete:

“Temos já disponíveis em língua portuguesa do Brasil muitos textos fundamentais da literatura russa em traduções excelentes, muito bem editadas. Sem dúvida, a literatura russa clássica está mais difundida do que a contemporânea, embora tenhamos já projetos para a tradução de muitos dos textos dessa última em andamento. Muitos autores importantes, que marcam, por exemplo, o assim chamado pós-modernismo russo poderiam ser ainda mais traduzidos, como, por exemplo, Vladimir Sorokin, Viktor Pelevin, Ludmila Petrushevskaya, Tatiana Tolstaya e tantos outros”.

Um livro não consiste só do texto do autor cujo nome figura na capa. Há elementos proporcionados pela equipe editora. E os responsáveis pela publicação ajudam para fazer um livro excelente, sublinha a senhora Cavaliere:

“Só posso elogiar os editores com os quais tenho trabalho para a publicação de meus livros. Tenho tido muita felicidade em estabelecer e concretizar projetos com editores sensíveis, inteligentes, que não apenas editam, mas colaboram para o aprimoramento dos textos, dando sugestões e muitas vezes propondo notas e comentários, que só enriquecem o meu trabalho. Penso ser fundamental trabalhar com editores que, antes de mais nada, amam a literatura e a cultura russas”.

Uma das editoras mais conhecidas no Brasil, a Editora 34, dará neste ano uma continuação considerável à sua Coleção Leste, projeto dedicado à literatura russa. Segundo o editor da Coleção, Cide Piquet, há vários títulos, entre eles dois inéditos proeminentes. São “Contos de Kolyma” de Varlam Shalamov, traduzidos por Denise Sales, Elena Vassilevich, Lucas Simone, Cecília Rosas, Marina Tenório e Nivaldo dos Santos, e “A Escavação”, de Andrei Platonov, tradução de Mário Francisco Ramos (brasileiro, professor de literatura russa na USP) e Yulia Mikaelyan (russa, tradutora e professora, hoje vivendo no Brasil).

 

Fonte: Rádio Voz da Rússia