A firme recuperação das bolsas europeias traz esperança a empresas altamente endividadas da região, que saem em busca de dinheiro nos mercados de ações.

Foto: reprodução / IGÀ medida que desaparecem as preocupações sobre o futuro da zona do euro, empresas europeias começam a pensar no mercado de ações como parte de um plano mais extenso para pagar as dívidas e começar a pensar na possibilidade de obter lucros.

Essas negociações chegam em boa hora. O setor corporativo do continente possui uma dívida total de US$ 430 bilhões, que deverá ser paga até o fim de 2014, de acordo com dados da agência Standard & Poor’s, o que leva muitas empresas a buscarem formas de aliviar o peso de seus balancetes.

“Veremos mais atividades de IPO (oferta pública inicial, na sigla em inglês) no futuro”, afirmou Mark Hughes, parceiro de mercados de capital da PricewaterhouseCoopers, em Londres. “A valorização das ações europeias tornou novamente a venda de spin-offs corporativos uma opção realista.” Spin-off é a expressão usada para descrever uma nova empresa que nasceu a partir de um grupo de pesquisa de uma empresa, universidade ou centro de pesquisa público ou privado – normalmente da área de tecnologia.

Boa parte das iniciativas mais recentes envolveram empresas em busca de angariar bilhões de dólares por meio da venda de ativos – procurando separar unidades de negócios lucrativas para gerar valor. O dinheiro obtido está sendo utilizado para ajudar a pagar dívidas enormes, reabastecer as reservas de caixa e reformar determinadas operações, depois de espalhar ativos indesejados

Por exemplo, o Royal Bank of Scotland angariou US$ 1,3 bilhão no ano passado após vender 30% das ações de seu segmento de seguros, a Direct Line. A Telefonica embolsou € 1,5 bilhão após a venda de parte de sua subsidiária alemã, a Telefonica Deutschland, em outubro, o maior IPO da Europa em 2012. A oferta foi tão bem sucedida que a Telefonica desistiu dos planos de vender as ações de sua subsidiária latino-americana.

Novo cenário

A atual atmosfera positiva é diametralmente oposta à de alguns anos atrás, quando os temores em relação ao futuro da Europa chegaram ao auge. Naquele momento, os investires abriram mão das ações, com medo de que a crise da dívida pudesse prejudicar o setor corporativo do continente.

Contudo, agora os mercados de ações europeus ressurgiram e muitas bolsas estão operando em níveis que não eram vistos desde 2009. As atividades da FTSE 100, a maior bolsa do Reino Unido, cresceram 80% nos últimos três anos, ao passo que a DAX alemã dobrou de valor durante o mesmo período.

No entanto, muitos analistas alertam para o fato de que as empresas europeias estão testando os mercados em um momento de ceticismo e que a estratégia de arrecadar dinheiro por meio dos mercados de ações poderia sair pela culatra em alguns casos. Preocupações de curto prazo sobre a lentidão da economia em algumas regiões, especialmente nos países do sul da Europa, podem reduzir o entusiasmo dos investidores.

Banqueiros afirmam que as empresas continuaram a exigir grandes valorizações de possíveis spin-offs corporativos, embora os investidores ainda não estejam dispostos a pagar grandes valores por ações europeias que ainda correm risco após o crescimento anêmico das economias da região. Por consequência, os valores de potenciais IPOs estão caindo gradualmente.

Foto: reprodução / IGAlém disso, a confiança dos investidores no sucesso das IPOs continua abalada desde que o volume de dinheiro angariado por ações europeias caiu 58% em relação ao ano anterior, chegando a apenas US$ 16,5 bilhões no ano passado, de acordo com a fornecedora de dados Dealogic.Mas as empresas europeias enfrentam grades pressões para realizar esses movimentos.

À medida que a crise financeira chega a seu sexto ano, as empresas têm um paredão de dívidas que precisarão ser pagas até 2014. Embora muitas empresas tenham tentado angariar fundos por meio da venda de ativos não fundamentais a concorrentes e compradores de private equity, as fusões e aquisições do continente continuam baixas, apesar do recente aumento no nível de atividade.

De acordo com a Dealogic, no ano passado o total de negócios fechados na Europa caiu 14% em relação a 2011, chegando a US$ 697 bilhões. O total foi o mais baixo desde 2003.

Até meados de fevereiro, o total de negócios fechados na Europa havia caído 48%, comparado com o mesmo período em 2012, chegando a US$ 45,4 bilhões, de acordo com a fornecedora de dados Thomson Reuters. Em comparação, o volume de aquisições nos Estados Unidos cresceu 140%, chegando a US$ 159,3 bilhões durante o mesmo período.

Preço alto

Analistas afirmam que os vendedores ainda estão pedido dinheiro demais por empresas indesejadas, apesar da desaceleração do mercado. Em vista da incerteza sobre o futuro da economia global, compradores em busca de ativos europeus são cautelosos com relação a gastar dinheiro do qual podem precisar, seja para apoiar as próprias operações ou para dar lucro a investidores nervosos com a possibilidade de que os mercados financeiros globais voltem a dar prejuízo.

“A falta de confiança está atrapalhando o mercado de ações e futuros”, afirmou Dominic Morris, do escritório de advocacia Allen & Overy, em Londres, referindo-se a fusões e aquisições.

Os problemas não ocorrem em empresas de grande porte, como a Siemens e a Volkswagen, que funcionam a partir de economias saudáveis e são capazes de acessar os fundos necessários para garantir suas necessidades financeiras. Empresas menores e oriundas de setores problemáticos como varejo e construção civil serão forçadas a contar mais com a emissão de ações e a realização de spin-offs corporativos para levantar o dinheiro necessário, afirmam analistas.

“As empresas vulneráveis ainda terão problemas de refinanciamento ao longo dos dois próximos anos”, afirmou Paul Watters, chefe de pesquisa de crédito corporativo na Standard & Poor’s, em Londres. “Elas terão de procurar outros caminhos, como a venda de ativos que não sejam fundamentais.

“Para levantar verbas, as empresas já estão se preparando para realizar novas ofertas e tirar vantagem de mercados de ações mais ousados. Até o momento este ano, a gigante metalúrgica ArcelorMittal, afetada pela queda no valor das commodities, ligada à desaceleração dos mercados asiáticos, afirmou que lançaria US$ 3,5 bilhões em novas ações em uma oferta que visa reduzir os US$ 22 bilhões em dívidas.

Planos do Santander

O Grupo Santander, maior banco da zona do euro em termos de capitalização de mercado, também afirmou que poderá colocar ações de seu negócio de financiamento para pessoas físicas à venda no mercado americano até o fim do ano, depois que o banco angariou quatro bilhões de dólares com a IPO de sua subsidiária mexicana em setembro.

“As empresas europeias possuem uma série de ativos de grandes proporções”, afirmou Maria Pinelli, vice-diretora global de crescimento estratégico na Ernst & Young de Londres. “Esse processo ajuda a liberar muito dinheiro para o pagamento de dívidas, ou pode ser utilizado para futuros investimentos.”

Os esforços renovados para se livrarem de ativos por meio de IPOs não se limitam à Europa.No dia 31 de janeiro, a Pfizer angariou US$ 2,2 bilhões por meio da venda de ações de sua unidade de medicamentos veterinários. A venda de ações foi a maior IPO de uma empresa americana desde os US$ 6 bilhões angariados pelo Facebook em maio do ano passado.

Embora a venda de novas ações possa ajudar a encher os cofres das empresas, ela também serve para dar uma nova fonte de lucro aos investidores. Ao longo dos últimos três anos, os investidores fugiram das ações europeias em grande parte por conta da crise das dívidas públicas.

Em vez disso, fundos de pensão e outros investidores institucionais encheram os mercados de dívidas públicas, cujos rendimentos despencaram à medida que a demanda por novas ações superou em muito a oferta. Uma vez que os investidores começaram a clamar por mais ações, até mesmo as empresas de setores problemáticos como o manufatureiro foram capazes de vender bilhões de dólares em novas ações com rendimentos cada vez menores.

Segundo analistas, na busca pelo lucro, os investidores estão se preparando para correr grandes riscos nos mercados de ações europeus, incluindo o apoio a novas ofertas de ações. Para garantir o retorno, eles torcem para que os piores problemas da zona do euro já tenham ficado para trás.”Os investidores estão em busca de lucro”, afirmou Klaus Hessberger, chefe dos mercados de capitais europeus da JPMorgan Chase, em Londres. “Para que esse processo funcione, o mercado precisa se estabilizar.”

Fonte: IG Economia