O aumento das passagens do transporte público não é o principal motivo da onda de protestos que toma conta do país. Para analistas políticos ouvidos pelo Brasil Econômico, as manifestações estão ligadas a um nível de insatisfação e à falta de perspectiva, sobretudo por parte dos mais jovens, e evidencia o poder de mobilização do mundo digital.

No Rio de Janeiro, mais de mil manifestantes marcham em direção à Cinelândia durante o quarto protesto contra o aumento da tarifa de ônibus, que passou de R$ 2,75 para R$ 2,95 no último dia 1º  (Foto: Fabio Teixeira/UOL)

No Rio de Janeiro, mais de mil manifestantes marcham em direção à Cinelândia durante o quarto protesto contra o aumento da tarifa de ônibus, que passou de R$ 2,75 para R$ 2,95 no último dia 1º (Foto: Fabio Teixeira/UOL)

Para Gabriel Cohn, sociólogo,professor aposentado do Departamento de Ciência Política da USP, o que impressiona nos protestos é o descompasso entre o que está em jogo – o reajuste de R$ 0,20 – e a intensidade das manifestações nas ruas. “O que está emergindo entre nós é uma relação enraivecida com a realidade”, observa. “Não está em jogo um protesto consistente como os que ocorreram em Madri e Wall Street. São manifestações reativas, mais ligadas a uma insegurança de se perder o que conquistamos nos últimos anos”, explica.

O sociólogo Paulo Gajanigo, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), acredita que a adesão maciça tem a ver com o grau de descontentamento geral. “Quando não há protesto, não quer dizer que não haja insatisfação. O sentimento de impotência bloqueia muito o sentimento de indignação”, argumenta.

Gajanigo alerta que “a juventude não tem sido beneficiada com o que se propõe de desenvolvimento no país”. “De modo geral, existe uma tendência de aumento das manifestações e de um espaço cada vez menor entre elas”, diz, lembrando a proximidade da Copa das Confederações, da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos. “O governo deveria se preocupar com isso. O que pode estourar não é previsível”, alerta.

Para Gajanigo, o potencial organizativo tem a ver com as redes sociais, e ainda que tenham causas diferentes, os protestos no Brasil são parecidos, na forma de convocação, com os que aconteceram no Egito em 2011, e com os protestos em Madri e em Wall Street, em Nova Iorque – esses dois últimos reflexos da crise econômica mundial.

“O mundo está experimentando novas armas, aprendendo a se mobilizar com as possibilidades que as redes sociais oferecem, descobrindo que esse é um instrumento bastante eficaz de mobilização. Há uma nova vivência que começa nas redes sociais e vai para a rua”, explica, acrescentando que outra característica dessas manifestações é que, além de imprevisíveis, estão sendo organizadas e convocadas nas redes sociais, sem a mão forte de um partido ou sindicato.

“O mundo tem se mobilizado não por causas, mas por questões cotidianas que afetam a qualidade de vida, como o desemprego e a inflação”, diz a ex-secretária de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura (MinC) Marta Porto.”No caso dos jovens, um motivador é a dificuldade de vislumbrar perspectivas de futuro em um mundo pressionado pelo controle e pela competição insana”, afirma.

“Não é só o Brasil, mas o mundo todo está sentado em um barril de pólvora”, pondera Cohn. “Não acredito que esse barril vá explodir, mas isso aumenta os níveis de manifestação que atingem os princípios básicos que se quer construir no país. Até porque, não estamos em uma sociedade parada ou que está andando para trás”, complementa.

 

Fonte: Brasil Econômico