Uma “igreja ateísta” no norte de Londres está se provando um sucesso entre os não-crentes. Alguns, no entanto, acreditam que a iniciativa pode se tornar uma nova religião.

Inaugurada no mês passado como ponto de encontro para ateus, a Assembleia de Domingo é, nas palavras de seu mestre de cerimônias, o comediante Sanderson Jones, “parte um show de pessoas batendo os pés, parte igreja ateísta e em geral uma celebração da vida”.

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Em um domingo pela manhã, o grupo de mais de 300 pessoas se reúne no espaço de uma igreja desconsagrada para a celebração.

Ao invés de hinos, os não-religiosos ficam de pé para cantar músicas de Stevie Wonder e da banda Queen.
Há uma leitura de Alice no País das Maravilhas e uma palestra de um físico de partículas, Dr. Harry Cliff, que explica as origens da teoria da matéria escura.

Parece uma apresentação de comédia stand-up. Jones e a co-fundadora Pippa Evans fazem piadas uns com os outros e animam a plateia como os veteranos do circuito de stand-up que eles são.
No entanto, há momentos mais sérios.

O tema desta manhã é “fascinação” – uma reação, segundo Jones, à crítica de que os ateus não conhecem esse sentimento.

Os participantes têm que abaixar as cabeças por dois minutos em contemplação ao “milagre” da vida e, em seu sermão de encerramento, Jones fala sobre como a morte de sua mãe influenciou sua jornada espiritual e sua determinação por aproveitar ao máximo cada segundo, consciente de que a vida é muito breve e que nada virá após dela.

Espírito de comunidade

A audiência – em sua maioria jovem, branca e de classe média – parece entusiasmada por ser parte de algo novo e fala do vazio que sentiam nas manhãs de domingo quando decidiram abandonar a fé cristã. Poucos se identificavam ativamente como ateístas.

“É uma boa desculpa para nos reunirmos e termos um pouco de espírito de comunidade, mas sem o aspecto religioso”, diz Jess Bonham, uma fotógrafa.

“Não é uma igreja, é uma congregação de pessoas não-religiosas.”

“Eu acho que as pessoas precisam desse sentimento de conexão porque todos são muito individualistas agora, e se sentir parte de algo é o que as pessoas estão precisando no mundo”, diz Gintare Karalyte, outra frequentadora.

O número de pessoas que se declaram “sem religião” na Inglaterra e no País de Gales aumentou de cerca de 7 milhões em 2011 para 14,1 milhões, de acordo com o último censo no país, em 2011.

Isso faz dos dois países alguns dos mais seculares do mundo ocidental.

Pessoas como o escritor Richard Dawkins e o comediante Ricky Gervais transformaram em “moda” a ideia de ser mais assertivo sobre não ter fé religiosa e de pensar sobre o que significa ser ateísta.

O escritor Alain De Botton, que já propôs a criação de um “templo para ateus” em Londres, revelou também nessa semana um Manifesto para Ateístas, listando 10 virtudes para os que não tem fé.

Ele diz querer promover virtudes “esquecidas” como resiliência e humor. De Botton teve a ideia em resposta à crescente sensação de que ser virtuoso se tornou “uma noção estranha e deprimente”.

Os comentários de De Botton parecem ecoar o mantra da Assembleia de Domingo: “viva melhor, ajude com frequência, se maravilhe mais”.

Ele diz que um novo tipo de terapeutas seculares deve ocupar as posições de sacerdócio e acredita que o ateísmo deveria ter suas próprias igrejas, mas diz: “Elas não deveriam ser chamadas assim, porque ateísmo não é uma ideologia em torno da qual qualquer pessoa pode se reunir. É muito melhor chamá-la de algo como humanismo cultural”.

Risco de ‘se transformar em religião’

No entanto, existe a preocupação entre alguns não-crentes de que o ateísmo esteja se tornando uma religião em si mesmo, com seu próprio código de ética e sacerdotes autointitulados.

Sanderson Jones insiste que não está tentando fundar outra religião, mas alguns membros de sua congregação discordam.

“Vai se tornar uma religião organizada. É inevitável. Um sistema de crenças vai se estabelecer. Haverá uma estrutura, uma perspectiva ética sobre a vida”, diz o arquiteto Robbie Harris, frequentador da assembleia.

Ele acredita que Evans e Jones tem “uma grande responsabilidade” se a Assembleia de Domingo “continuar tendo tanto sucesso como tem agora”.

“Existe o perigo de que ela se torne ‘da moda’ e se torne centrada em uma pessoa só. Você pode acabar se colocando como um pregador, esse é o perigo.”

“Eu acho que Sanderson deveria se afastar e se ver como mediador ou facilitador, no que ele obviamente é bom, e somente levar pessoas para falar ou ler”, diz Sarah Aspinall, que também frequenta o grupo.

Jones diz que as assembleias estão no início e que as próximas serão menos sobre ele e mais sobre as experiências de membros da congregação. Ele rejeita a ideia de que esteja dando início a um culto.

“Eu não acho que sou um pregador carismático. Eu só fico muito entusiasmado com as coisas e quero dividir isso com as pessoas”, afirma.

Ele diz ainda que ficou surpreso com a reação do público da Assembleia de Domingo e que está explorando a possibilidade de fazer reuniões semelhantes em outros locais do país.

As doações dos membros da congregação irão ajudar a pagar por ela. “Eu queria fazer isso porque pensei que seria algo maravilhoso”, diz Jones.

Ao lado da igreja desconsagrada onde se reúnem os ateus fica a igreja evangélica de São Paulo e São Judas, onde cerca de 30 pessoas se reuniram no mesmo domingo para cantar músicas gospel e fazer leituras da Bíblia.

Mas o bispo Harrison, um pregador cristão há 30 anos, disse que não vê os vizinhos como ameaça e prevê que sua jornada espiritual eventualmente os levará a Deus.

“Eles tem que começar de algum lugar”, diz.

 

Fonte: BBC Brasil