Por Bruno Marques

MALI HOSTAGES

A saudade é dos portugueses. Palavra de presença constante na poesia de língua portuguesa, no fado, no coração de todo e qualquer português apaixonado ou perdido por esse mundo fora. Saudade. O vazio provocado pela ausência do que traz boas recordações. Sobretudo pessoas que partiram sem regresso, longe mas tão perto, algures perdidas por aí.

Acaba por ser bom sentir saudades. Sinal de que existem boas recordações, graciosidade de momentos encarados nas voltas da montanha russa, de braços bem no ar, festejados em todos os segundos de felicidade. No regresso, no reencontro, nada melhor do que ouvir, e sentir, o “tive saudades tuas”. O vazio da saudade não tem substituição. Pode ser ocupado, preenchido, sem nunca ser substituído por outro qualquer momento, pessoa ou sentimento semelhante. Existe uma saudade. Aquela saudade. A que sai do peito e invade todo o corpo. Que deixa um nó na garganta, uma vontade impotente a crescer.

A saudade começou na aventura marítima dos Descobrimentos portugueses, na partida do sítio a que se chama casa, em todos os pequenos objectos e pensamentos que fazem viajar no tempo. Prolongou-se na escrita dos poetas de amores desavindos, entranhou-se na voz do triste fado lusitano. Existe mesmo sem ser possível encará-la olhos nos olhos. E é portuguesa porque mais ninguém a vive, sente, explica e transmite como o povo do “pedacinho de terra à beira mar plantado”.

Só existem saudades dos bons momentos e de conhecer as pessoas certas nos lugares caminhados. A saudade é vontade de repetir, o querer ter e não poder, o desejar sem concretizar. A saudade consome mas não mata, faz lutar mesmo que a tristeza permaneça. É um querer voltar sem remédio.

Nada melhor do que aproveitar os pulos do coração, as corridas da respiração, o transcendente que nasce de cada passagem. Que se acredite no impossível, no sonho por realizar, na aventura louca e infantil, na experiência por conquistar dos beijos que ainda se aprende a dar. Um a um, trocados e saboreados lentamente, com a calma do sol que se põe no horizonte. Tudo o resto é saudade. Que se mata, morre e renasce.

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Bruno Marques escreve e partilha as palavras que traduzem a linguagem do coração

 

 Fonte: P3 │ Público