Leonardo Isaac Yarochewsky e Bárbara Bastos *

Cesare Beccaria já alertava em 1764 em sua clássica obra “Dos delitos e das penas” que as acusações secretas constituem abusos evidentes, mas consagradas em várias nações pela fraqueza da constituição. De acordo com a nossa Constituição Federal (CF) “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem” (art. 5º, LX da CF). Ainda, de acordo com nossa Constituição todos os julgamentos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade…” (art. 93, IX da CF). Por outro lado, a própria Constituição assegura a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, sendo que sua violação pode acarretar dano material ou moral (art. 5º, X da CF).

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A Convenção Americana sobre Direitos Humanos determina que “o processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça” (art. 8º, §5º).

Na mesma linha segue o Código de Processo Penal (CPP), segundo o qual as audiências, sessões e atos processuais serão, em regra, públicos (art. 792 do CPP). Contudo, o próprio CPP prevê hipóteses em que os atos poderão ser realizados a “portas fechadas” quando puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem.

Destaca-se assim, que a publicidade não é uma garantia absoluta. No Brasil, segundo os eminentes processualistas, entre eles Cândido Dinamarco, estamos diante da chamada publicidade res­trita e não da popular. Protegem-se por inteiro as partes contra os males dos julgamentos secretos, permitindo-se sua presença a todas as audiências e acesso aos autos em que litigam, mas impõem-se restrições ao acesso de estranhos aos autos do pro­cesso e à divulgação irrestrita dos atos processuais.

Com efeito, a publicidade dos atos processuais deverá conviver em plena harmonia com os demais direitos assegurados pela Constituição Federal, sob pena de colisão com os direitos fundamentais relativos à intimidade, honra, imagem e privacidade das pessoas.

Ora, se a publicidade dos julgamentos e dos atos processuais representa uma garantia para o cidadão, essa não pode se tornar uma arma contra este mesmo cidadão o qual a Constituição almeja proteger. A publicidade como princípio existe, entre outras coisas, para proteger o individuo contra as acusações secretas, contra julgamentos parciais e arbitrários e, também, como garantia do devido processo legal.

Quando a publicidade expõe e vulgariza a vida privada e a intimidade do acusado, vez ou outra, da própria vítima, transforma-se em instrumento de opressão e de exploração da imagem, capaz, inclusive, através dos meios midiáticos, influenciar maleficamente os julgadores.

Com o intuito de lucrar e/ou obter certo grau de notoriedade, alguns “pseudos profissionais” dos meios de comunicação se valem de sensacionalismos exacerbados e inconsequentes. Com frequência, os próprios operadores do direito (advogados, juízes, promotores e policiais) fazem do julgamento o caminho mais curto para conquistarem seus 15 minutos de fama. É forjado assim um verdadeiro teatro, em que o título, em letras garrafais e negritadas, convida explicitamente uma plateia a presenciar progressivamente a desgraça alheia. Desgraça essa que se estende principalmente ao acusado, execrado e condenado pela opinião pública antes mesmo do julgamento. Criam-se acusações, intrigas e questionamentos, dignos de um “dramalhão mexicano”. Tudo isso para que os espectadores ou leitores acompanhem o desenlace da “trama”.

Entretanto, como bem assevera o professor doutor Geraldo Prado: “a exploração das causas penais como casos jornalísticos, em algumas situações com intensa cobertura por todos os meios, tem levado à constatação de que, ao contrário do processo penal tradicional, no qual o réu e a Defesa poderão dispor de recursos para tentar resistir à pretensão de acusação em igualdade de posições e paridade de armas com o acusador formal, o processo difundido na mídia é superficial, emocional e muito raramente oferece a todos os envolvidos igualdade de oportunidade para expor seus pontos de vista (…) A presunção de inocência sofre drástica violação, pois a imagem do investigado é difundida como da pessoa responsável pela infração penal”. (PRADO, Geraldo. Sistema acusatório. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001:180).

Interessar-se pelo o que acontece com o outro faz parte da condição humana. Não obstante, a imensa avidez com que se aceita acriticamente aquilo que é veiculado, ou melhor, introjetado, deve ser limitado pelos princípios e garantias constitucionais, a fim de que homens e mulheres sobre os quais incidem, principalmente, as leis penais, não se vejam despidos da sua honra, imagem, intimidade e privacidade, valores inerentes aos direitos de personalidade. Enquanto isto, aguardemos a próxima novela.

 

* Leonardo Isaac Yarochewsky e Bárbara Bastos são, respctivamente, advogado do escritório Leonardo Isaac Yarochewsky Advogados Associados e estudante de Direito da PUC/Minas.

 

Fonte: Site Migalhas