Por Antonio Gonçalves Filho

William-Gibson02William Gibson (Foto: Jason Redmond/Wired)

Há 30 anos o mercado editorial foi abalado pelo lançamento de um livro que inaugurou um gênero literário – e também uma subcultura: o cyberpunk. Seu autor, o norte-americano William Gibson, hoje com 65 anos e preparando uma nova bomba, The Peripheral, concebeu Case, o protagonista de Neuromancer, como um terrorista virtual capaz de causar prejuízos a grandes corporações com seu conhecimento de informática, mas que acaba como junkie de sarjeta.

O slogan da cybercultura — “alta tecnologia, baixo nível de vida” — define a distopia de Gibson, sobre esse ex-hacker desempregado e drogado que vaga sem destino após lesar seus patrões. Animado com o êxito do livro, que vendeu 30 mil exemplares só no Brasil, Gibson escreveu uma trilogia (Sprawl) a partir de Neuromancer, influenciou cineastas (a estética de Matrix, dos irmãos Wachowski, é inspirada em sua criação) e agora volta ao presente para assustar ainda mais seus leitores.

A editora Aleph, que publicou Neuromancer, acaba de lançar Território Fantasma, segundo volume da trilogia Blue Ant, a mais recente do autor norte-americano, que mora há anos no Canadá. A obra chega às livrarias dez anos depois de Reconhecimento de Padrões, primeiro livro da série, que ganha uma nova edição com capa do designer Pedro Inouie. Ainda este ano a trilogia será concluída com o lançamento de História Zero, em julho.

Conhecido por ambientar suas histórias num futuro sombrio, algo semelhante ao cenário de Blade Runner, Gibson, em Território Fantasma, situa no presente o drama de Hollis Henry, ex-vocalista de uma banda cult de rock. Qual o sentido, afinal, de imaginar um futuro cibernético assustador se ele já deu mostras suficientes de ter chegado?

Se, em Reconhecimento de Padrões, primeiro romance de Gibson a se passar no mundo contemporâneo, o tema era a capacidade humana de reconhecer padrões até mesmo em dados sem o menor sentido, em Território Fantasma a discussão gira em torno dos perigos da alta tecnologia. Hollis deixa a música para virar jornalista de uma obscura revista e pesquisar as relações entre arte e hi-tech Resultado: ela acaba vendo mais do que poderia – e deveria – num mundo em que a realidade já virou ficção vagabunda.

“História Zero”
Blue Ant é uma agência de publicidade transnacional dirigida por um bilionário belga chamado Hubertus Bigend. É também o nome da trilogia do escritor norte-americano William Gibson, cuja última parte, História Zero, será lançada em julho no Brasil, pela mesma editora Aleph, que publica agora o segundo volume da série, Território Fantasma. Ela não se chama Blue Ant por acaso.

É uma trilogia um tanto venenosa, como a formiga australiana Diamma bicolor, que, afinal, nem formiga é, mas serviu para batizar a série de Gibson. Território Fantasma retrata o presente como um beco sem saída. Não é preciso mais recorrer a androides, bichos artificiais ou à chuva ácida das megalópoles do futuro para causar horror. A atualidade já é por si um pesadelo cibernético em Território Fantasma.

A agência de Bigend, no livro, tem uma revista para a qual escreve a freelancer Hollis Henry, ex-vocalista de uma banda rock dos anos 1990 que trocou os palcos por um computador. Plugada, ela cobre a cena alternativa de Los Angeles, mas não resiste ao apelo de saber como a arte virtual pode ser instrumentalizada. Nesse “território fantasma”, as Forças Armadas estão desenvolvendo uma nova tecnologia geoespacial que usa a internet sem fio, o GPS e a computação gráfica com propósitos um tanto escusos. Lembram das drogas criadas pelos militares americanos para uso bélico? Pois é: Gibson lembrou, mas trocou substâncias que levam a estados alterados pela alta tecnologia.

O outro lado da história é um cubano-chinês com nome de ditador, Tito, ligado a uma organização mafiosa cubana, que deve entregar uma série de iPods com dados reveladores a um misterioso senhor. No meio do campo está um agente de uma organização secreta que quer saber como os EUA agiram durante a guerra do Iraque.

Com a ajuda de um ex-viciado. Como se vê, a dobradinha alta tecnologia e baixa consciência continua a ocupar parte do imaginário de Gibson, que, em Território Fantasma, está mais para John Le Carré que para Philip K. Dick.

A abertura da trilogia Blue Ant, Reconhecimento de Padrões, já anunciava uma devassa impiedosa no cyberspace. Os efeitos negativos da comunicação internética, conforme a conclusão da leitura do livro inaugural, são devastadores – e não se resumem ao fim da privacidade e à disseminação indiscriminada de dados pessoais pelo computador. Nele, a ‘coolhunter’ Cayce Pollard, uma profissional caçadora de tendências, não só identifica padrões de comportamento de consumidores. Ela é ambiciosa e aceita uma proposta inusitada: saber quem está por trás de uma série de vídeos postada de forma anônima na web.

Qualquer cristão disposto a rastrear sabotadores industriais, hackers e mafiosos que circulam pela rede sabe que um dia será inevitavelmente atirado aos leões no coliseu virtual das almas perdidas. Neil Gaiman, o criador de Sandman, diz que Reconhecimento de Padrões “mostra a nossa realidade como se a estivéssemos vendo pela primeira vez”. De fato, a descolada Cayce Pollard criada por William Gibson parece nunca ter visto qualquer coisa real – ela vive no mundo da publicidade, do consumo, das logomarcas – até aceitar de uma agência de publicidade a missão de descobrir quem é o autor dos fragmentos de vídeos cultuados na web por uma comunidade virtual. É só quando Cayce entra no submundo japonês, nos subúrbios ingleses e nos covis de mafiosos moscovitas que essa realidade toma forma.

TRECHO
“Agora, ela sabia que fora enviada de volta ao túnel por aquela. .
…punhalada repentina de medo estranho, no Starbucks. Medo de que Bigend a tivesse envolvido em algo que poderia ser, ao mesmo tempo, imensa e esotericamente perigoso. Ou, ela pensou, vendo a coisa como um processo, pela estranheza cumulativa do que ela encontrou desde que aceitara a missão da Node. Se é que a Node existia de fato.”
(Extraído de ‘Território Fantasma’, segundo livro da trilogia ‘Blue Ant’.)

 

Fonte: Tribuna do Norte